quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Proteja o meu BAIÃO

O que cansou o homem? A dor ou a fome? José. Os olhos tristes e na boca um sorriso. Mas um sorriso tão pálido que perdeu o sabor. É assim minha gente a cara de quem não entende o que aqui faz e para quê vive. José é igual. Obedece a rotina. Não lutou contra a ditadura, nem fez protestos na rua. Às vezes José queria ser diferente, mas é pobre, simples, comum como tanta gente. José é brasileiro. E para ele basta.

Na lavoura onde crescera, seu olhar era bom dia e bom mesmo era beber água gelada na casa de Donana. De tanto sol nas costas, se acostumou a levar calor pra casa. E de vermelho o sol, vermelha a terra, vermelha também ficou a pele.

Sonhava com filhos. Quem sabe um macho, ajudante na colheita. Casou-se então com moça nova, mas bem ajeitada. Nem festa, nem doce. Somente os prazeres adentrando a noite quente e silenciosa do sertão. Sem televisão, fez um time de futebol. Todos José, todos iguais, todos com um sorriso pálido que perdeu até o sabor.


O que cansou o homem? O medo ou a fome? Religiosamente a fé era santa. Não acreditar era não ter médicos, pois somente o que se tinha a fazer era rezar. Mesmo assim, enterrou dois pequeninos filhos, vítimas da fome e do descaso. Mudar de vida, só mesmo um dia alguém que se ouviu falar, viajou pra nunca mais voltar. E como realmente não voltava, nunca se sabia o que havia do lado de lá para aí sim mudar.


Dia de festa mesmo era dia de eleição. Como era bão ter água, comida e sabão. Nem que seja por alguns dias, para dizer que se lembravam do povo. E nessa de vai ou não vai ter água boa no sertão, bom mesmo era beber água gelada na casa de Donana, mulher do candidato, dona do bem mais valioso por ali: a geladeira.  

Parece não existir mais. Mas é a realidade ainda de parte do nosso sertão verde amarelo. Gente que sente medo, dor e fome. Gente que é abusado, que não conhece saúde, saneamento básico. Gente que só faz rezar porque não sabe mais o que fazer. Não digo que essas pessoas não têm futuro, mas parece que elas não têm escolha.
  

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

o LaDo B!

Acabou a escola e ai? Passou no vestibular? Formou e agora trabalha aonde? Casou e vai ter filhos? Carregamos essa horrorosa mania de perguntar sobre a vida dos outros como se tudo tivesse que ter uma seqüência óbvia. E, na verdade, não tem. Será que não podemos estar em uma fase onde não vamos para lugar nenhum, não planejamos nada, só queremos deixar rolar? Viver de sonhos pode não ser a realidade, mas viver seriamente a realidade pode não ser também o ideal.

Porque devo prestar vestibular se o que eu quero agora é ser músico? Porque tenho que trabalhar depois que me formei se o que eu quero é viajar pelo mundo? Porque ter filhos depois de casado? Devemos viver para trabalhar ou trabalhar para viver?

Não estou dizendo que devemos fazer o que queremos sempre (e isso não é possível) e nem sou a favor de crianças e adolescentes fora da escola. Mas onde foi parar o tempo em que podíamos ter sonhos? E imaginar mais do que se preocupar?

A sensação é que se não tivermos um plano estaremos sempre perdendo a oportunidade. E que oportunidade é essa que eu nem conheço, mas que já faz parte das minhas perdas? A nova geração vem se preparando para o pior e por isso está cada vez mais gabaritada para enfrentar a realidade. Meu receio é que elas não estejam se preparando para o principal, a vida.


Como aprender a ser mais humano, como ser honesto quando não há ninguém vigiando, como se importar com o outro mesmo sem conhecê-lo? Isso não há escola ou curso de pós-graduação que ensine. Isso não está no Google. Talvez pais, educadores, jornalistas, personalidades, enfim, todos aqueles capazes de influenciar nossos jovens talentos pudessem apresentá-los ao lado B do disco. Aquele que ninguém escuta, mas que é o melhor e guarda raridades que passam despercebidas. Vai aí algumas:

Ninguém é rico o bastante para ser feliz na mesma proporção. Os estudos só servem se soubermos aproveitá-los na vida cotidiana. Não adianta ter idéias se não as colocarmos em prática. Viajar, ver filmes, ir ao teatro podem às vezes ser mais úteis do que a física. Os mais velhos têm ainda muito a ensinar (mais que o Google!). Simpatia, humildade e respeito nunca saem de moda e valem mais do que uma pós. Não se sinta um lixo quando não souber o que fazer da vida. Só não decida o que fazer baseando-se somente no dinheiro. Isso só te trará ansiedade e desgosto.  

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

devaneios



Tempo passa
No relógio
Tempo passa
Na vida
Só na cuca
Tempo fica
E na cuca
Tempo é farto











O vento pediu que as folhas voassem quando ele passasse e assim aconteceu. O vento pediu que as roupas balançassem enquanto ele passasse e assim aconteceu. O vento pediu que a água secasse enquanto ele passasse e assim, novamente, aconteceu. O vento não tem cor, por isso somente o sentimos. Deveríamos ser como o vento, para que as pessoas não nos vissem e sim sentissem.  Deveríamos certamente ser como o vento. 




Se tudo passa por aqui 
Será que não posso passar?
Se existem muitos destinos
Será que o meu posso mudar?

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

à flor da pele

O dia que morri foi estranho. Não aconteceu nada de mais. Sei lá, sempre achei que seria o tipo de pessoa cuja morte abalaria muita gente. Mas não. Não foi isso que aconteceu. Alguns dizem ser um dia especial. Para mim não foi. Se eu soubesse ou pelo menos desconfiasse da morte teria feito algo diferente? Não sei. E é isso o que mata. Mórbido não?
Vamos lá. Você acorda, toma o típico café-da-manhã, veste aquela roupa ordinária e vai trabalhar. Descobre que uma rua mudou de mão e que, por isso, tem que desviar da tradicional rotina. Ao chegar a sua sala lembra que se esquecera de terminar um relatório chato, inclusive, relatório este que será apresentado daqui a 10 minutos para seu chefe, junto à diretoria.
Como alguém que se importa, você faz questão de terminar e ainda revisar o texto a tempo da reunião. Chega cheio de si, mais uma vez, acreditando na possibilidade de estreitamento profissional com a diretoria. Será que hoje serei reconhecido? Pensa. Mas o que ainda prevalece é ser somente alguém na obrigação de sua função. Sai da sala correndo para atender um cliente do outro lado da cidade. Esforço que não é compensado, pois o peixe grelhado é sem graça e sem sal e a conversa não leva ao fechamento do negócio.
Ao voltar, não repara nas cores da estação, nem nas crianças risonhas da rua. Não percebe que pode ser o último sinal vermelho da sua vida, não comemora a vaga fácil perto do trabalho. Não toma o sorvete que desejava na lanchonete da esquina e entra novamente em sua sala. Conversa com alguns colegas do trabalho e recebe a ligação da sua mãe, única pessoa que parece se preocupar com você.


Até aí tudo bem. Não pensava que seria minha última hora. Entre o céu e a terra parecia existir mistérios inimagináveis e a impressão de que havia algo reservado para mim. Nada disso. Exatamente às 14:06 morri. De que? Não sei, não me lembro. Só sei que foi assim. Um momento estava vivo, no outro senti um vazio tão grande, um silencio tão ensurdecedor que sabia estar neste estágio: do morto. Não saber o dia da minha morte me levou a viver esperando o dia em que seria alguém para aí sim morrer. Agora estou no nada. E como isso é eterno!